quinta-feira, 19 de abril de 2012

Corpo Cênico, Estado Cênico



"Para ativar circuitos relacionais, o ator deve trabalhar tanto no sentido de aguçar sua criatividade como sua receptividade. Geralmente a criatividade é privilegiada em detrimento da receptividade, a força criativa em detrimento do poder receptivo. Estamos mais habituados a agir do que a distensionar, a ponto de sermos agidos; somos treinados para criar e executar movimento, não para ressoar impulso; geralmente sabemos ordenar e dar ordens ao corpo mais e melhor do que sabemos nos abrir e escutar. A busca por um corpo conectivo, atento e presente é justamente a busca por um corpo receptivo. A receptividade é essencial para que o ator possa incorporar factualmente e não apenas intelectualmente a presença do outro."


(Eleonora Fabião, "Corpo Cênico, Estado Cênico")


Maykol Arancibia

quinta-feira, 5 de abril de 2012

"Pode o TEATRO falar sobre o presente?" - O Drama Burguês

O teatro não tem uma única essência, existem teatros e teatros ao longo da história.
Agora, o que é o presente? O teatro pode falar sobre o presente? O grego não faria esta pergunta, pois os gregos vêem o tempo cíclico, seu tema principal é o mito, a problematização dos heróis que são dependentes do tempo, para eles o mundo sempre existiu e nunca vai terminar.
Mas para o homem medieval o tempo já está determinado pela providência divina. Então, ele utiliza-se de exemplos do que já foi feito para continuar vivendo, uma repetição de ações e pensamentos, afinal o homem não fazia parte da construção do novo, tudo já estava estabelecido. A forma teatral medieval é a missa, a religião, a salvação. O que interessa a ele é o evangelho. Para o homem grego é o mito.
Portanto, a pergunta tema trata-se de uma pergunta moderna.

No tempo da sociedade burguesa (séc. XV a XVIII), existe a ideia de que o passado e o futuro se estendem ao infinito. O passado ficou pra trás e o futuro ainda nem existe. Há um espaço para o novo, daí a valorização do tempo presente.
No mundo moderno o mito e a religião deixam o centro para o indivíduo. É o momento em que a pessoa tem escolha sobre seu próprio destino, é o que se chama de Ação Eletiva. Afinal, o futuro está aberto, ele não é mais determinado.


Surge nessa época o Drama Burguês que, em seu auge, é um gênero teatral que aparece com a burguesia. Dideroté o teórico do Drama Burguês, que não dá muito certo. É a burguesia inventando um teatro onde seus valores estão imbuídos de forma indireta, pelo drama.
Este gênero tem duas funções:

- A moral, segundo seu tempo. Ele acha que o teatro tem de ser transformador. Entende-se por transformador: esclarecer os homens, racionalizá-los; ensiná-los a amar a virtude e a odiar o vício.


(A moral é determinada por homens como um conceito de atitudes e ações aceitas pela sociedade, nada tem a ver com a política, polis, ou seja, com o que acontece na cidade).

(Virtude= disposição para seguir aquilo que é considerado regra, moral admitida numa época por um conjunto de homens em seu momento histórico).


- Outro aspecto, além da moral, por o presente em cena, de forma secundária, afinal, seu interesse é moralizar.
Pois, como é possível transformar o espectador? Para Diderot, você tem de agitar o público, transtorná-lo, levá-lo às lágrimas. Teatro ali não é a palavra, são as expressões faciais, os gritos, o corpo. Esse é um teatro ilusionista, é levar a platéia a crer que aquilo que está acontecendo ali é o que acontece no mundo, é o real.
Pra isso ele cria dois "gêneros intermediários"
- A Tragédia Doméstica
- A Comédia Séria
(Comédia é tratar de assuntos baixos do cotidiano, tudo de forma ilusória).

Neste ponto ele democratiza o teatro, afinal não são mais os reis e rainhas que figuram como personagem, é também a burguesia, o trabalhador. É a natureza humana, a sentimentalidade sua estratégia teórica, que tem a ver com interesses específicos. Ele vai mudando quem é objeto sério e quem é objeto de riso.
Diderot é o teórico do realismo, mas para ele realismo tem a ver com produzir um efeito do real.


O foco disso tem uma dimensão privada.
Ele considera o mundo privado o centro do teatro, figurado na família burguesa. E faz isso porque a família é o espaço ideal para o culto da virtude, a família é um bem supremo, único lugar onde se pode ser feliz, pois lá fora é o lugar da competição. Aí ele privatiza o teatro.

Lembrem que: teatro não é isso, isto é um teatro.

Diderot não separa conteúdo e forma. O drama ali é um teatro fechado para a relação interpessoal, a imagem do homem liberto das coerções externas. O centro do drama é a decisão do homem à partir de sua ação e vontade naquele momento.

Nota: nada mais interessante pro capitalismo que o homem seja senhor de seu destino, assim ele pode competir livremente, sem culpas ou moralismos, ele pode determinar o seu futuro sozinho e por qualquer meio.

O drama burguês, portanto, fala do homem que é livre e que só através do diálogo ele realiza suas vontades. Não há prólogo, prefácio ou posfácio, só existe o momento.
Neste drama não há futuro previsto, ele sempre é aberto para o novo. Só existe situação, personagem e diálogo. Situação, personagem e diálogo. Situação, personagem e diálogo. As palavras são só aquelas que saem da boca do personagem. O autor e a narrativa, no sentido figurado, desaparecem. A profundidade está no indivíduo e na privatização, não há mundo externo, não há influência externa, só existe a família.
Nesse ínterim, o espectador é um espectador passivo, que se constitui numa identificação pelo irracional. Se eu me identifico com o personagem, eu compro a dramaticidade, eu aceito para mim sua sensação e não penso ou discuto sobre ela.

Exemplo: filmes de Hollywood, quem nunca se colocou na situação da Rose e chorou quando Jack morreu congelado depois do Titanic ter naufragado?

A ação deste drama, aberto ao futuro, trata de ilusão, que trás uma imagem do que promete ser a modernidade: você vê a peça e constitui uma imagem do que é o presente.


Já o Teatro Moderno critica a imagem que a burguesia faz, mas sem negá-la, ele mostra que você é livre, mas questiona isso, critica o presente e promove abalos nesta realidade.


Lucas Nuti
Evoé.

domingo, 1 de abril de 2012

Cálice, cavalo. Fogo e menino.


 Começando um novo ciclo, começando uma nova jornada, então nada mais justo do que pensar em como nos colocamos diante disso que fazemos, diante desse universo que é a arte, onde tentaremos construir e entender juntos durante esses 4 anos. Vamos lá!


Wesley Salatiel



De Rubens Corrêa
Ensinamentos, conselhos, recomendações para atores


Fui convidado para conversar com vocês* sobre o ator


Sei que muitos aqui jamais representaram, e outros deram apenas os primeiros passos neste caminho labiríntico que é o mundo da interpretação.


É uma tarefa que exige de mim sensibilidade e coragem; acho uma grande responsabilidade falar aos jovens, e é com muita emoção e prazer que passo adiante as humildes sementes do meu trabalho artístico, com a esperança de que alguma utilidade possa ser encontrada nelas e que de alguma maneira elas possam lhes tornar a caminhada menos solitária e mais solidária, na medida em que esta receita muito pessoal provoque dúvidas e reconsiderações, ou toque o sagrado dentro de cada um de vocês, ou reacenda aquela esperança cega que Prometeu garantiu ser a conquista mais urgente para a sobrevivência do homem neste planeta.
O grande poeta e dramaturgo alemão Büchner escreveu numa cena de sua peça Woyseck:Cada ser humano é um abismo e a gente tem vertigens quando se debruça sobre um deles.Acho que nós atores somos duplamente esse abismo-espelho: como seres humanos e como artistas.Nossa missão é provocar vertigem e o revisionamento do abismo dentro de cada espectador, para que depois de cada mergulho em nossos personagens-propostas essas pessoas pensem, se emocionem, compreendam e amem com nova e maior intensidade.


Eu, Rubens Corrêa, ator e artista de teatro, vinte e oito anos de profissão, e séculos e mais séculos de um longo período não sei onde, ofereço a vocês com apaixonada humildade o meu aprendizado nesta caminhada em cima das brasas sem se queimar que é a condição necessária para poder representar e viver com algum significado neste nosso bizarro país sul-americano.(...).


O CÁLICE


Representar para mim é a possibilidade que me foi dada de me comunicar com o meu semelhante através de uma troca de idéias, imagens, palavras, gestos e emoções.
Um divertido, fascinante, e muitas vezes cruel jogo que mistura ficção e realidade, consciente e inconsciente, sagrado e profano, amor e ódio, vida e morte. Uma Paixão.
Através dos anos venho elaborando em cima das tábuas o meu trabalho, tentando sempre o difícil equilíbrio entre as conquistas técnicas e a simplicidade da execução.Aqueles instantes, todas as noites, em que represento um papel, são sempre os melhores momentos do meu dia.
Isso quer dizer que levo para o palco meus sentimentos, minha idéia, minhas alegrias, meus abismos, meu horror e minha luz.
Diariamente filtro essas emoções através das necessidades de cada personagem, e recebo de volta para mim mesmo uma nova compreensão de meus problemas - e acrescento ao personagem um novo enriquecimento conseguido à quente, quer dizer, arrancado de dentro de mim mesmo.
Com o correr dos anos fui aprendendo a me observar como artista e ser humano, e fui tentando aproveitar em meus desenhos interpretativos a linguagem interior de minha vivência pessoal, para conseguir assim essa difícil união entre arte e vida, que foi sempre a minha grande aspiração.
Sempre acreditei que cada ator traz consigo um material fantástico, inimitável e único, muito difícil de ser conservado e desenvolvido nesta nossa era brutalizada e massificada.
É um cálice de cristal interior, que deve ser preservado e defendido através de muitos terremotos, muita contrariedade, muita decepção e sensação de abandono, mas com momentos também de enorme luminosidade que quando acontecem recompensam o artista e engrandecem o ser humano.
Cada ator é único e inimitável se ele mergulha com honestidade em si mesmo, e retrata o seu semelhante com generosidade, verdade e paixão.
Somos feitos da essência com que os sonhos são feitos escreveu Shakespeare, e essa é a melhor definição que conheço sobre o mistério da representação.


O CAVALO


Cada ator tem obrigação de zelar e desenvolver o seu instrumental, sua voz, seu corpo: seu cavalo.
Devemos transformar nosso corpo num grande arquivo de imagens com possibilidades de serem utilizadas em nossos futuros personagens; nossa voz deve poder miar, rugir, gemer, uivar, nossas mãos podem ser galhos de árvores, garras de feras, folhas secas ao vento nossos pés, colunas de um templo, patas de animais.
Nossos olhos devem poder reproduzir o enigma do olhar da esfinge, e a clareza cristalina de um poema de Brecht.
E mais, devemos nos preparar para poder receber com artística mediunidade a alma do mundo, as grandes interrogações do nosso tempo, a voracidade deste universo em constante transformação.
Devemos ser suficientemente fortes para poder reproduzir simultaneamente a maravilha e o horror do ser humano, a criatividade e a autodestrutividade de nós todos, homens, através desta difícil caminhada da vida.
O nosso cavalo deve então se preparar para poder assumir todas estas formas, e por isso ele tem de ser constantemente reabastecido e renovado.
O cavalo é também o estimulador de nossa energia, o conservador de nosso entusiasmo e de nossa fé; quando as crises vierem (e não tenham dúvida de que elas virão), nada melhor do que trabalhar na fortificação do cavalo, porque no mínimo estaremos crescendo durante a crise, estaremos trabalhando e temperando novas energias, adquirindo novas técnicas, novos conhecimentos.
Podem ter certeza de que um bom cavalo torna o ator indestrutível.


O FOGO


O fogo através do tempo sempre foi o símbolo vivo da fé, do entusiasmo e da rebeldia; mantê-lo aceso dentro de nós é também um trabalho para a vida inteira.O fogo nasce de um estado de curiosidade natural e instintivo e pode ser desenvolvido através da conquista progressiva de uma cultura geral, de uma observação apaixonada da história do homem, da história de todas as artes, da emocionante história do teatro e um profundo sentimento de observação do ser humano aqueles para quem realizaremos nossas mágicas, o nosso público.
Esse fogo interno, uma espécie de grande rol central de energia e fé, é uma grande defesa contra a acomodação, e me parece ser a grande mola propulsora da criatividade; devemos estar sempre atentos aos seus chamados, e é preciso não deixar nunca, custe o que custar, esse fogo esmorecer, porque, caso isso aconteça, seremos os artífices de uma arte morta, sonâmbula, inútil, feia e resignada.


O MENINO


A recuperação da liberdade da infância através da vida adulta foi sempre uma das minhas metas; a criança é uma fonte incrível de informação artística - e a criança que nós fomos recuperada através do nosso lado lúdico tão atrofiado pelo correr dos anos, pode nos servir de guia, mas um guia muito especial, que caminha alegre e despreocupado, que sabe descobrir o mágico dentro do cotidiano, intuitivamente Um grande exemplo da presença do menino dentro de um artista está na figura e na obra do
pintor Pablo Picasso.
Eu não procuro, eu acho afirmava o grande pintor.
E essa fala denuncía o menino que Picasso levava dentro de si, que pintava cerâmica usando como base para o desenho a espinha do peixe que tinha comido no almoço, ou fazia fantástica escultura aproveitando uma roda velha e quebrada de uma bicicleta encontrada na estrada durante seu passeio matinal.
O menino traz alegria e descompromisso racional para o trabalho artístico.
No Passeio Público do Rio de Janeiro tem um menino-anjo esculpido num bebedouro (se não me engano de Mestre Valentim) com a seguinte legenda: Sou útil, ainda brincando.
Essa é a lei e a sabedoria dos meninos.


CONCLUSÃO


Acho que preservando o cálice, domando o cavalo, estimulando o fogo e soltando o menino, o artista está preparado para viver e criar uma vida bela e uma obra útil para a coletividade.